quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Primeiro post do Pai da Jujuba

Acho que a melhor maneira de começar este post é me apresentando. Sou Marcos, o pai da Jujuba. Desde a criação deste Blog estou relacionado como um dos responsáveis por ele, mas, na verdade, toda a iniciativa e efetiva participação devem ser creditadas à Carolina. Desde que descobrimos o diabetes da Júlia que conversamos sobre como dividir nossa experiência com outros casais. Escrever um livro? Participar de uma associação ou grupo? Acho que a melhor ferramenta realmente foi a criação do Blog.
Lina sempre me cobrou pela ausência de participação. Pensei em iniciar meus comentários por diversas vezes. Quem sabe no aniversário da Júlia? Não, o dia foi muito corrido, não deu certo... Talvez no aniversário da Lina... Quem sabe quando eu iniciar minhas férias... Na verdade, sempre empurrava a tarefa para outro dia, outro momento... Às vezes é mais fácil (ou mais conveniente à curto prazo) conviver com a doença e suas consequências sem verbalizar ou parar para ponderar seus efeitos em nossas vidas.
Criar o Blog, trocar experiências, pesquisar matérias interessantes, criar uma rede de solidariedade, participar de eventos de conscientização sobre a doença tornaram minha mulher muito mais forte do que eu em tudo que concerne à doença. Ela é a especialista e eu o curioso que muitas vezes chega para dar palpites sem nenhuma fundamentação. É muito gratificante ver como o blog alcança pessoas e apresenta alguma informação, por vezes conforto e uma palavra amiga, e perceber que toda essa energia retorna para Carolina e ajuda bastante nesta caminhada.
Acordei hoje bem cedo e fiquei pensando sobre os últimos três anos. Meus pensamentos me levaram para o dia do diagnóstico... Tinha que existir algo errado... Durante mais de um mês discutimos se Júlia estava com infecção urinária ou simplesmente bebendo líquido demais por conta do calor. Nem lembro quantas consultas médicas tivemos sobre o assunto. Talvez a marca da frauda ou um distúrbio de crescimento passageiro... Diabetes jamais foi cogitada em nenhum contexto, sobretudo numa família sem histórico recente de insulino-dependentes.
Confesso que a “ficha” demorou a cair. No primeiro momento só pensava em uma coisa: Ok. O diagnóstico está confirmado, é diabetes. E eu, o que faço? Qual remédio? Como? Onde ter acesso? Quanto? Puro instinto de proteção e sobrevivência que parece fazer parte da paternidade. A necessidade é um sentimento poderoso. Repentinamente me vi ás voltas com canetas, agulhas e testes de glicemia. Nunca tinha aplicado uma injeção. Nunca sequer tinha visto uma medição de glicemia. E lá estava eu, aprendendo na base da tentativa e erro, tentando fazer o melhor possível.
A alimentação foi um caso a parte. Sem informação ficamos completamente sem rumo. Jamais vou esquecer o primeiro lanchinho que ofereci a minha filha depois do diagnóstico: tinha tanto carboidrato que a taxa dela deve ter dobrado (até então para mim bastava tirar o açúcar e caprichar em comidas salgadas e tudo daria certo...). Durante este período saí da ignorância no assunto e aprendi a consultar rótulo e buscar alternativas.
A sensação de ter um filho é indescritível. O amor incondicional que desenvolvemos deve ser a mais pura expressão de um sentimento que podemos manter em relação à outra pessoa. Mais junto com tanta alegria e felicidade vem à responsabilidade.
Até hoje nunca parei para analisar o impacto que a doença causou em mim. Olhando para trás vejo que não foi pequeno. Naquele mês da descoberta da doença tinha programado apresentar a minha filha todas as guloseimas que permeavam minhas lembranças da infância. Tinha ido ao supermercado comprar biscoitos, iogurtes, danones e salgadinhos. Ela estava mudando a dieta, eu estava de férias e tinha feito planos.
Planos que nunca executei plenamente e no primeiro momento pensei que não iria executar jamais. Não sabia nada da doença. Tinha uma ideia geral e abstrata da situação. Nunca parei para estudar as consequências da ingestão de carboidratos, gorduras e açúcares. E olhe que talvez devesse ter feito isso antes. Desde os 18 anos que vivo um embate particular com a balança. Dos 85 quilos de solteiro, aos 18 anos, cheguei aos 33 anos, quase 8 de casado, com quase 120 kg, hipertenso e sedentário.
O que lembro quando recebi a notícia? Os sentimento de frustração e impotência nos invadem sem chance de defesa. Depois vem a culpa. O que fiz de errado? O que poderia ter feito diferente? Como começou isso? Poderia ter evitado?
Acabei aprendendo da pior maneira possível, depois de algum desgaste, tanto pessoal quanto relacional, que não adianta olhar para trás e ficar remoendo o que não podemos alterar. Mas temos muito o que fazer para ter um futuro melhor. De minha formação católica uma frase sempre ajudou: “Senhor dai-me forças para enfrentar aquilo que não posso mudar...”.
Do impacto inicial: “...acabou, minha filha passará por sérias restrições a vida inteira e nunca terá uma vida normal...”. Aprendi que com a dieta certa, exercício, um pouco de rotina e acompanhamento de perto, a vida pode ser absolutamente normal. Ufa... alívio. Mas este quadro promissor tem um preço muito alto: noites insones, pouco tempo para dar atenção a minha mulher, investimento financeiro em acompanhamento médico, nutricional e medicamentos...
Pelo que vejo nos comentários do site, a rotina de nossos filhos diabéticos é quase que invariavelmente uma tarefa materna. Não tenho lido muitos comentários dos pais sobre suas experiências. Nesses três anos, em apenas uma oportunidade sentei com o pai de outra menina diabética para trocar impressões. Nas salas de espera de consultórios só encontro mães.
Entendo as dificuldades de lidar com a doença e fazer frente a novas e inesperadas despesas. Mas quero registrar aqui que em minha opinião o diabetes em crianças é uma doença cujos efeitos atingem toda a família. Uso a expressão família em sentido amplo, incluindo irmãos, tios, primos e, sobretudo, os avós. Sei que não foi fácil para eles e agradeço a Deus ter passado por este período em sua companhia.
Para mim, cuidar da Júlia e ajudar no controle da doença é parte do meu quotidiano. É mais fácil esquecer de tomar um dos meus remédios do que aplicar a insulina basal nas primeiras horas da manhã. A rotina não é fácil e qualquer erro, esquecimento ou contratempo normalmente produz consequências imediatas. Nesses três anos já perdi a hora de verificar a taxa de glicemia (por cansaço), já ministrei doses erradas por desatenção e algumas raras vezes esqueci de fazer a aplicação.
Se minha pequena Jujuba sofre consequências físicas imediatas (HIPOS ou HIPER glicemias) as consequências morais para quem cometeu o deslize não são fáceis. Demoramos um pouco para assimilar e seguir em frente. Perdi a conta de quantas brigas tive com Carolina sobre o controle, as quantidades de insulina e como proceder no cotidiano.
Não é fácil. Temos personalidades fortes e como todo o casal, maneiras de ser diferentes. Como sou muito metódico e não gosto de correr riscos. Sempre que fico responsável pelo controle me satisfaço com medidas glicêmicas acima da meta da Júlia buscando uma sensação de conforto, numa tentativa de minorar as possibilidades de hipoglicemias. Sei que estou errado, mas muitas vezes não é fácil evitar. É da minha natureza. Por vezes o conflito é inevitável e se não fosse a paciência da Lina e sua insistência em nosso relacionamento não sei se hoje estaríamos comemorando junto esta data.
Analisar os resultados mensais do controle da diabetes é uma tarefa altamente estressante: o que não fizemos? O que poderíamos ter feito mais? Por que deixamos chegar nesse ponto? Com minha personalidade perfeccionista não é fácil constatar que mesmo seguindo todas as orientações médicas, o organismo humano nos prega peças. Além disso, no quebra cabeças do controle da diabetes não temos todas as peças. São muitas variáveis para controlar ao mesmo tempo.
A relação do casal sofre sérios desgastes. Noites mal dormidas, ansiedade, mudança na rotina. No início estava difícil sair com amigos e esquecer um pouco do assunto. Todos queriam detalhes, incluindo colegas de trabalho e familiares. Durante um grande período deixei de telefonar para minha esposa para perguntar como ela estava e como estava Júlia. Iniciava a conversa perguntando em quanto estava a taxa, o que ela tinha comido e se a insulina tinha sido aplicada. Hoje só posso me penitenciar por ter feito tanta besteira e agradecer por ter uma mulher que me ama com tamanha intensidade.
Coloquei a doença na frente de mulher e algumas vezes da filha. Ficava mais preocupado com o controle do que com os progressos de minha linda filhota. Júlia é carinhosa, esperta, está muito bem na escola e tem um ótimo relacionamento com todos. Não poderia me fazer mais feliz.
Dizem que a experiência é a soma de todos os nossos erros. Se isso é verdade, posso escrever que aprendi que minha filha não “está com diabetes”, mas que ela “é diabética”. A condição é permanente e não transitória. Logo, a vida segue o seu caminho e se alguns têm dificuldade de locomoção ou problemas alimentares, minha pequena tem uma condição que exige atenção e disciplina. Ponto final. Durante nossa caminhada parei de definir (e limitar) minha filha pela doença para olhar para ela muito além disso.
Durante os três anos que passaram tivemos momentos de incerteza, muita insegurança, tristeza e frustração. Mas nada disso se compara ao sentimento que aprendemos a cultivar: resiliência. Capacidade de resistir, enfrentar, buscar alternativas, aceitar e acreditar que estamos lidando com o assunto da melhor maneira que podemos.
Agradeço a Deus a mulher que tenho e a filha maravilhosa que me ensina todos os dias o que efetivamente é importante na vida. Aprendi que teremos dias melhores do que outros, mas que mesmo sem saber para onde o destino nos levará o importante é continuar seguindo em frente.
Acho que já escrevi demais. Termino registrando que foi muito bom compartilhar ideias e sentimentos. Espero que possam ajudar outras pessoas. Provavelmente não serei um autor muito ativo no Blog, mas como resolução de início da ano, prometo passar por aqui mais vezes.
Termino agradecendo a Papai Noel por termos chegado até aqui. Daqui para frente só pedirei de presente saúde e paz. O resto conseguimos construir com um pouco de esforço e dedicação.
Boas festas a todos e um 2011 cheio de realizações.

8 comentários:

  1. Lindo post Amor!!
    Não sei o que seria de nossas vidas sem vc!!!!!
    Mais uma vez, obrigada por ser esse paizão mais do que presente!!!!!
    Amo vc!!!!!!

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  2. Seu post me emocionou. Sou mãe e tenho 2 filhos, nenhum deles diabético, mas como farmacêutica e Educadora em Diabetes, escuto sempre os depoimentos de pais, mães, tios, avós, etc, sobre seus pequenos portadores de diabetes e sei como é fundamental a participação de todos da família nos cuidados dos nossos pequenos tesouros.
    Parabéns, continue se cuidando da sua pequena Jujuba.
    Convido a vocês a assistirem o video que esta em meu blog, justamente com depoimentos de pais de portadores de DM1: http://www.farmaciadiabetes.com.br/2010/11/26/818/
    O video esta divido em 2 partes, mas vale a pena ver tudo.

    Um forte abraço a vocês, que Papai Noel continue trazendo saúde e paz.

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  3. Luciana perrotti santos guastaferro23 de dezembro de 2010 às 20:03

    Oi marcos, parabéns pela linda mensagem!
    Com certeza julinha terá uma vida plena e feliz, com algumas limitações sim, mas quem não as tem?
    Um feliz Natal pra todos voces

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  4. Carol, acho que valeu a pena esperar por esta participação tão profunda, ele realmente estava inspirado.Fiquei bastante emocionada e feliz por Júlia ter pais tão dedicados e maravilhosos.Parabéns pelo blog e um Feliz natal.Bjs

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  5. Parabéns, parabéns à mãe por andar sempre à frente com tudo o que diz respeito à vossa filhota, parabéns ao pai, distante deste blog, mas sempre perto de sua filhota e de sua esposa.
    Parabéns adorei este depoimento de pai, é importante este apoio,é importante deitar cá para fora o que vai no nosso coração.
    Parabéns pela vossa familia e pelo vosso Amor.

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  6. Mônica, Já conhecíamos seu vídeo!! Muito legal!! Parabéns pelo seu trabalho como educadora em Diabetes... Faz toda a diferença!!!! Tudo de bom pra vcs!!!!!

    Lu, obrigada por todo carinho sempre!!!! Pode ter certeza que sua força é um exemplo para nós e para muitos!!!! Vc é muito especial!!!!!

    Martinha, Muito bom ter vc aqui conosco no blog!!!! Também fiquei bem emocionada com a postagem... Essa veio realmente do fundo do coração!!!!! Beijão querida!!!!!

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  7. Que texto louvável.
    Na internet só conheci um pai ativo no tratamento de um filho, http://www.adaobraga.com.br/kaioborges/
    É alguém que tenho grande apreço apesar de nunca ter conhecido pessoalmente, e desejo ter acabado de ler o primeiro de muitos textos, eu mais do que ninguém sei a falta que faz o apoio de um pai, as incertezas tem um impacto maior do que o diabetes.E talvez escrevendo você ajude a muitos pais a lidarem com seus sentimentos, suas frustrações, porque a melhor coisa do mundo é saber que você nunca está sozinho.
    Agredeço as mamães de diabeticos que me apoiaram pela internet, pois não conhecia nenhuma mãe, nenhuma familia, e quantos pais não conhecem e não sabem como lidar com o diabetes?
    Boa Sorte e felicidades sempre.

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  8. Parabéns pela iniciativa. Tenho um Site (www.sertaonoticias.com.br) e gostaria que vcs escrevessem para o Site mencionado, sobre esta grave doença. O nome da coluna seria Jujuba Diabética sertaneja. Ou a critério. Contatos: 82 9997 6581; email: tadeugobeu2008@ig.com.br

    Aguardo contato

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