A maior parte dos médicos concorda com a idéia de que lidar com doença crônica é algo bastante complicado, afinal, é necessário fazer com que o paciente entenda que terá de conviver sempre com aquela situação, sendo necessário, muitas vezes, alterar drasticamente o estilo de vida. ´Não adianta você impor nada ao paciente. É uma mudança comportamental que tem de ser conquistada´. É assim que Adriana Forti, endocrinologista e diretora do Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão do Ceará fala sobre o tratamento do paciente diabético, uma das patologias crônicas mais conhecidas atualmente.
A partir de quando uma pessoa pode ser considerada diabética ou pré-diabética?
Hoje, temos as categorias denominadas pré-diabéticas, que são duas. A primeira delas são as pessoas que tem uma glicemia de jejum, ou seja, a medida da glicose do açúcar, alterada. Ela passa a ser alterada, a partir do momento que é maior 100 (que é o normal), mas é menor que 126 (que é o valor para ser diabético). A segunda categoria é a chamada intolerante à glicose. A pessoa ingere glicose, faz um estresse para o organismo, ou seja, dá uma sobrecarga de glicose para ver se o pâncreas está funcionando. Duas horas depois, os valores ficam entre 140 e 200. Nesse teste, o valor para ser diabético é acima de 200. Se não tratado, o pré-diabetes tem uma velocidade muito rápida de se transformar em diabetes. Por outro lado, se você cuidar, a evolução da doença é bem mais lenta.
O que dizer sobre a relação hereditariedade e diabetes?
Em relação a susceptibilidade genética, isso é algo bastante consumado do ponto de vista da fisiopatologia do diabetes. No Brasil, pelo fato da relação hereditariedade e diabetes, ser algo tão certo, não existem estatísticas específicas sobre isso. O que é muito importante é o fato de você poder ter a herança, porém, não apresentar o problema. Aí entra o fator ambiental, a obesidade, que, na realidade, é o mais forte no desenvolvimento do diabetes tipo 2. E o que causa essa obesidade? Alimentação errada e sedentarismo.
No Ceará, desde quando a doença crônica vem sendo fator de preocupação para os profissionais de saúde?
Quando comecei a trabalhar com diabetes aqui no Ceará, e até em termos de Brasil, há 20 anos atrás, lembro das conversas que tinha com os colegas durante os cursos de capacitação. ´ -Eu nunca mais tinha me lembrado de pesquisar diabetes nos meus pacientes´, diziam alguns. Não existia uma cultura para doença crônica. O sistema de saúde era tão voltado para o agudo, que ele nem tinha tempo de pensar na enfermidade crônica. Logo que isso adquiriu importância, foi uma grande revolução.
A faixa etária influi na possibilidade da obesidade tornar-se fator de risco para o surgimento do diabetes?
Influi sim. O que temos que separar, nesse caso, é uma coisa chamada diabetes tipo 1. Nesse tipo de diabetes, que é o tradicional na criança, não existe ainda prevenção. Só 10% da população diabética, como um todo, é diabética tipo 1. Se houver uma conscientização, desde criança, pode-se, com sucesso, evitar o aparecimento do diabetes tipo 2, que é aquele influenciado pela obesidade, pelo fator ambiental. A população tem que ficar atenta para saber se tem a doença, porque o diabetes é silencioso. Se você não fizer o exame de sangue, você passa anos e anos sem o diagnóstico. Acredito que a conclusão prática para evitar qualquer tipo de problema é que toda e qualquer criança ou adolescente obeso procure um serviço de saúde a fim de solicitar um exame de sangue.
Os medicamentos para reduzir a resistência insulínica são realmente eficientes?
São eficazes sim. É claro que todo medicamento tem contra-indicação e efeito colateral. Muitos podem se questionar: qual é o uso racional desse medicamento? Isso ocorre quando você faz uma análise do custo-benefício individual para aquele paciente, ou seja, a necessidade versus o potencial de efeitos colaterais da medicação. A primeira coisa que você vê é se o paciente tem contra-indicação para usar o remédio. A metiformina, por exemplo, que é um dos medicamentos para redução insulínica, tem como contra-indicação a função renal alterada. As drogas funcionam, no entanto, assim como toda medicação, merecem a análise individual para cada paciente. Esse tipo de droga também pode ser usada por crianças, desde que, realmente, exista necessidade.
Qual a importância de uma equipe multidisciplinar para acompanhar o paciente diabético?
É muito fácil pegar meu paciente e mandar para a nutricionista fazer a dieta, e pedir para que o profissional diga assim: procure um educador físico e trabalhe. No entanto, isso não deve acontecer. Há a necessidade de que toda a equipe multidisciplinar tenha consciência de que é um processo conjunto, e que em cada momento, todos os elementos da equipe devem ter essa postura. Para o paciente, quanto melhor a abordagem desenvolvida pela equipe, maiores serão os benefícios e mudanças de postura. Educação não é só possuir conhecimento; educação é, antes de qualquer coisa, fazer com que o seu conhecimento seja capaz de mudar comportamentos.
Mirtila Facó
Especial para o Viva
Nenhum comentário:
Postar um comentário